30.9.05

Direitos, privilégios e desperdícios

1.O pior que pode acontecer a uma classe sócio-profissional que decide fazer greve é essa greve não incomodar ninguém nem impressionar ninguém. Porque uma greve é uma forma de pressão e não há pressão alguma quando a greve não incomoda ninguém. Uma greve de transportes, uma greve da TAP, uma greve dos trabalhadores da EDP, incomodam milhares ou milhões. Uma greve na justiça não incomoda ninguém: para aqueles que esperam um ano por um simples despacho e dez anos por uma sentença, uma semana de greve de juízes, magistrados do Ministério Público e funcionários judiciais não incomoda rigorosamente nada.
(…) Quando um cidadão comum olha para o estatuto profissional de um juiz, o que vê é que eles, assim que saem da escola, têm emprego garantido, começam por ganhar 2330 euros, mais 700 de subsídio de renda de casa (que manterão ao longo de toda a carreira, mesmo depois de reformados...), têm um regime especial e privilegiado de segurança social (o qual é pago em mais de 50 por cento pelos utentes da justiça), têm mais de dois meses de férias por ano, são independentes, isto é, não respondem perante ninguém, são irresponsáveis nas suas decisões, por mais incríveis que estas possam ser, são inamovíveis para sempre, por piores que sejam, e só respondem disciplinarmente perante os seus próprios pares, com toda a escandalosa benevolência que daí tradicionalmente resulta. Que outro emprego existe assim no mundo normal onde as pessoas vivem sem ser à sombra do Estado?

In http://jornal.publico.clix.pt/noticias.asp?a=2005&m=09&d=30&uid=&id=41510&sid=4637

Comentário: Uma análise astuciosa, e francamente certeira. Mas só em parte. É que, por outro lado, uma greve de juízes é preocupante, pois os tribunais são órgãos de soberania. Seria aceitável que outros órgãos de soberania – deputados, governo, primeiro-ministro, Presidente, fizessem greve – por exemplo reivindicando que as suas regalias estão a ser combatidas? Os órgãos de soberania são a estrutura do país, por isso estas situações podem levar a que, no futuro, Portugal embirre com uma medida qualquer da UE e… entre em greve!