10.10.07

RE: UE quer aprovar moratória na ONU já em Novembro (III)

Caro Carlos Afonso:
O problema da tua perspectiva, vista do lado mais objectivo, é que a justiça é feita pelos Homens, logo, nunca pode haver “certezas”.
A justiça criminal afunila sempre na convicção do julgador, por mais relatórios e peritagens científicas que se produzam no processo.
Por exemplo, por mais que a ciência demonstre que há sangue da vítima decessa nas unhas do suspeito, é preciso mais que isso para um juiz fundamentar a sua convicção de que o dito suspeito é o homicida. Por exemplo, não é irrelevante nesse caso que o suspeito e a vítima no dia anterior tenham tido uma discussão com agressões mútuas.

Do lado mais filosófico, que se discute há séculos, o problema da tua perspectiva é a fundamentação e legitimação da pena, neste caso pena de morte.
Resumindo, quanto à fundamentação, essencialmente porque a sociedade, ao condenar à morte um indivíduo que não respeitou as suas regras de sobrevivência, demite-se de integrar em si própria todos os indivíduos que ela mesma produziu. O que para alguns não é problema, porque seria simplesmente uma questão de sobrevivência da sociedade, e para outros significa a falência do sentido humanista e social da existência humana.
Acrescia o problema da fonte e da legitimação do poder de dispor de forma lícita da vida de alguém em nome do interesse da sociedade. Ou seja, a que título o agente estadual executante está investido de um poder que lhe permita dispor da vida de alguém. Não é uma questão de legalidade formal – poder emergente de uma norma duma Assembleia da República em democracia representativa – mas de legitimação da auto-flagelação da sociedade sobre os seus membros em nome deles próprios.
Simbolicamente, se quiserem: se metade da sociedade matasse a outra metade, a metade assassina sobreviveria e de seguida seria condenada à morte, restando apenas um único sobrevivente – o carrasco – que acreditamos que suicidar-se-ia se fosse um funcionário obediente (como agora anda na moda…).

(Faber)