15.1.07

RE: Congresso americano hostiliza plano de Bush para o Iraque (II)

Como sabes, fui da minoria dos que apoiaram Bush na sua decisão de invadir o Iraque. As razões apontei-as aqui há uns anos atrás: 1) remover um ditador sanguinário do poder, promovendo a democracia no Iraque; 2) impedir que o regime fabricasse armas de destruição maciça (ADM); 3) atacar um regime com ligações ao terrorismo internacional, nomeadamente à Al-Qaeda.

Os 2 últimos pontos, as armas e as ligações à Al-Qaeda, revelaram-se falsos. Eu acreditei nas palavras do Presidente dos EUA e no seu Secretário de Estado na altura, Colin Powel. Acreditei ainda em Blair, Aznar e Durão Barroso, e nas “provas” em relação às ADM. Fui ludibriado. Eu e muitos milhões de americanos e muitos milhões de europeus.

No entanto, e apesar das falsidades claras, continuei a achar que o facto de se remover Saddam, e de se começar a tentar instaurar uma democracia no Iraque era positivo.

Em relação a este ponto, uma história. Aqui na minha residência mora um iraquiano (“curdo, mas com nacionalidade iraquiana”, como ele costuma dizer). Devo dizer que ele tem uma experiência de vida muito diferente daquilo a que estamos habituados. Ele está aqui em Inglaterra há alguns anos pois o pai esteve preso e foi torturado pelo regime de Saddam porque era seu opositor (pertencia ao Partido Comunista). Fugiu para Londres e controla o partido a partir daqui. Continuou a ser perseguido até o Saddam ser preso. Dois tios dele foram assassinados pelo ditador, num dos ataques com armas químicas protagonizado pelo regime. Por tudo isto os curdos detestavam Saddam. Os xiitas também. Isto dito pelo meu amigo iraquiano: a maior parte deles, apesar de não gostar muito dos americanos e de não gostar da ideia de lhes invadirem o território, agradece a remoção do ditador e a tentativa de instauração de um regime democrático e livre (embora mantendo as suas diferenças do regime ocidental). Por tudo isto o ponto 1) de que falava atrás continua, para mim, a fazer todo o sentido. Houve eleições democráticas, há uma nova Constituição no país, que concede direitos e liberdades aos iraquianos que eles nunca tiveram. E continuei, agora com mais reticências, sou honesto, a apoiar os EUA. A guerra, em si, não correu mal – tirando o facto de que uma guerra é sempre algo de negativo, mas que por vezes é o último recurso. Mas o problema são os erros enormes do pós-guerra. A estratégia de Bush e dos seus conselheiros foi péssima. E quando não se prepara convenientemente o pós-guerra, não se pode decidir começar uma guerra.

No plano interno e externo, Bush acumulou erros e mais erros, disse parvoíces a mais, demonstrou uma inabilidade para o cargo surpreendente (isto para dizer o mínimo). Como em tudo na sua vida, foi levado ao colo por ser filho de quem é. Por essas razões, e como o disse na altura aqui no Fórum, votaria em Kerry nas últimas eleições americanas. Mas o problema é que os EUA têm a tendência histórica de apoiar os seus presidentes em tempos de guerra – o que é normalmente positivo. E os americanos consideram-se em guerra, algo que choca a maior parte dos europeus. Os europeus são muito “pacifistas”, diria arrogantemente "pacifistas", e muito pouco realistas e pragmáticos (as más línguas dizem que somos timoratos e cobardes, mas eu nem vou por aí). Por isso não têm voz, não têm força, e são totalmente menosprezados (e muitas vezes ridicularizados) pelo resto do Mundo. Apesar da UE já contar com mais de 500 milhões de habitantes e de termos vários séculos de História, a nível de relações internacionais estamos muito frouxos. Mas já estou a divagar...

Termino dizendo que concordo contigo, Zema. Não acho que os americanos devam sair. Mas não me parece que mandar mais 20 mil militares seja a estratégia mais correcta. Parece-me um paliativo que nada irá resolver. Ou se mandavam mais uns 300 mil, e assim talvez se conseguisse travar a insurreição (cenário perfeitamente irrealista). Ou então, e esta é a minha opinião, talvez se devesse procurar uma solução mais negociada, seguindo mais de perto as propostas do relatório Baker-Hamilton.

Forte abraço,
PS: Já estou para te perguntar isto há muito tempo, Zema. Porque raio é que escreves EUA como EEUU, à maneira espanhola??