11.2.07

Re: Opção de escolha (I)

Hoje é dia de referendo.
Sim, vai prevalecer a opinião que melhor soube usar a arma comunicacional moderna.
O apelo ao sim procurou transmitir um sentimento de culpa em cada um dos indivíduos que, votando não, se tornariam os carrascos da prisão de cada uma das mulheres a quem a vida intra-uterina, prosseguindo, irromperia a sua liberdade.
Mulheres que pagariam uma liberdade à custa da outra, por alheio imiscuir na sua vontade.
Vontade legamente clandestina, perigosa por inerência.
Apenas isto estava em causa: ser ou não ser o carrasco da consciência alheia e dos .

Infelizmente, raros foram os nãos que rebateram esse sentimento de culpa sem introduzir o que lhe é inverso: o complexo de culpa da mãe assassina.

A liberdade que valorizamos é sempre relativizada por natureza, por isso é que os humanistas do renascimento, a quem devemos o conceito moderno de liberdade, criaram ao mesmo tempo que ela a pena de prisão.

A pena de prisão, como a concebemos hoje, tem uma dupla função: de prevenção individual, inicialmente relacionada com o expiar da culpa e hoje associada à reabilitação do indivíduo, e a prevenção colectiva, do afirmar social da imperatividade da norma.

E só se justifica reabilitar o indivíduo e afirmar a vigência da norma, dando-lhe dignidade penal, quando esta tem uma relevante função conformadora dos comportamentos individuais e sociais.

Se apenas isto estivesse em causa, é bom de ver que poucos votariam não, porque a generalidade das pessoas já não quer conformar o comportamento das outras no que toca à interrupção da vida intra-uterina, aplicando-lhes uma pena de prisão.

Daí que a empresa comunicacional dos defensores do sim tenha funcionado na perfeição, tentando convencer que apenas isto está em causa.

Cabia aos defensores do não convercer que não era apenas isto que estava em causa.
Mas nunca com os argumentos da mãe assassina, do orçamento da saúde, da recessão demográfica, do fundo de estabilização financeira da segurança social.
Antes com uma argumentação que levante o véu da liberdade absoluta. Isto sim, está em causa, embora encapotadamente, no referendo.
Vem aí uma lei que permitirá a liberdade absoluta de interromper a vida intra-uterina, a vida daquele que se preparava para vir a ser livre, não uma célula indiferenciada, não um vegetal, também não um indivíduo autónomo, como também não o será nos primeiros anos de vida, mas uma vida individual.
Vem aí uma lei que continuará a penalizar quem, por decoro ou ignorância, não for a um hospital legalmente autorizado, antes ou depois das dez semanas.
A interrupção da vida intra-uterina não será o exercício de uma liberdade, relativizada à liberdade e ao respeito pelo indivíduo em gestação, mas um direito cego e absoluto.

Em sentido metafórico (porque a lei ainda terá de ser votada e promulgada), direi que, na segunda-feira, me vou arrepiar quando vir uma grávida dirigir-se ao hospital de Aveiro. Porque lhe demos um direito sem lhe explicar que tem só uma liberdade. Porque não lhe demos o direito de conhecer, de se esclarecer, sobre essa liberdade (em regra, sabendo que há pessoas que estão previamente esclarecidas). Porque nos esquecemos do ser que ela transporta, com coração, cérebro, cabeça, tronco e membros.

Porque nos demitimos de tentar dar razões às mulheres para prosseguirem a gravidez, com boas instituições pré-escolares, bons apoios financeiros, bom sistema de saúde, etc.
Porque combatemos uma coisa que ninguém deseja, permitindo-a indiscriminadamente.

Por tudo isso e mais, vou ter de votar não a um certo sim.

Mas viva a democracia.(Faber)